NELSON SARGENTO e sua história

NELSON SARGENTO e sua história

Nelson Sargento é o nome artístico do compositor e pintor Nelson Mattos, nascido em 25 de julho de 1924, na Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Passou sua infância na Tijuca, morando com uma família de comerciantes atacadistas portugueses, para os quais a sua mãe, Rosa Maria da Conceição, trabalhava como empregada doméstica. Nos finais de semana, a mãe o levava para visitar a família no morro do Salgueiro.

Mangueirense, é compositor de sambas belíssimos; "As Quatro Estações do Ano", por exemplo, é considerado por um júri de especialistas o mais bonito samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de todos os tempos. É também uma espécie de memória viva da Mangueira. Em 1994, gravou no Japão sambas inéditos de Cartola e, se alguém quiser saber alguma coisa de Geraldo Pereira, é só conversar com Nelson Sargento.

Desde jovem, ajudava o padrasto, Alfredo Português, nas obras, pintando as paredes das casas. Durante um intervalo de trabalho, decidiu aproveitar o que estava ao seu alcance: madeira, tinta, lixa, massa e pincel. "Aconteceu por acaso, eu tinha um pedaço de madeira e estava apanhando um resto de massa que caía. Eu não sei porquê fiquei com raiva e comecei a passar aquela massa em cima do caixote. Quando secou, eu tive um desejo e pensei: vou pintar".

Naquela época, ele trabalhava perto da casa de Sérgio Cabral, que o estimulou nessa atividade. Quando conseguiu reunir seis quadros, fez uma mostra durante o aniversário do crítico musical e conseguiu vender tudo. O primeiro a comprar um quadro foi Paulinho da Viola.

Pelo menos um de seus sambas, "Agoniza mas não Morre", pode figurar em qualquer lista dos melhores sambas de todos os tempos.

Abaixo, uma entrevista do compositor para o site carioca Caderno Virtual de Turismo:


CVT - O carnaval tornou-se a grande festa popular brasileira a partir das ruas da cidade do Rio de Janeiro, mas isso mudou bastante nos últimos tempos. O que teria acontecido?

Nelson Sargento - Quando você procura as causas, fica difícil, porque são coisinhas aqui e ali que, somadas à situação socioeconômica, influem muito no carnaval de rua. As pessoas tinham suas "sociedades" - o Democráticos, o Cacique de Ramos - e tinham os ranchos; a escola de samba era um terceiro divertimento, um divertimento dos pobres, da comunidade. O pobre se vestia precariamente, fazia suas alegorias com um artesanato rude, porque as pessoas não tinham técnicas, mas tinham a intenção. Seus enredos, suas alegorias e suas vestimentas eram pobres, mas possuía ritmo e muito samba. A mesma coisa acontecia quando as pessoas olhavam para os bonecos de Mestre Vitalino e diziam que aquilo não valia nada... As sociedades desfilavam justamente no Carnaval; havia o carnaval de rua, que era o quê? O pessoal fechava a rua e se divertia; em seguida, vinha outro pessoal e fechava uma rua ali no outro bairro e faziam uma guerra de confete. O bloco da rua X ia desfilar na rua Y e vice-versa; havia este intercâmbio. Era este o carnaval de rua, onde todo mundo se fantasiava. As fantasias mais comuns eram a de holandesa, odalisca, pierrô, colombina, palhaço, morte e neném. As pessoas se fantasiavam de neném, botavam um fraldão e as fezes eram abacate dentro de um pinico [risos]. Via-se no carnaval muita criatividade: o cara pegava o abacate e passava na cara... A situação econômica foi-se apertando... Primeiro, acabou a guerra de confete. Havia pessoas que brincavam o Carnaval só na guerra de confete, que era normalmente ali na São Francisco Xavier, na Dona Zulmira (Tijuca), na Alzira Brandão. Essas coisas foram se extinguindo com o tempo e alguém descobriu que, em vez de brincar carnaval, era melhor ir para rua vender. Hoje em dia há mais gente vendendo do que brincando, todo mundo hoje vende; virou um comércio violentíssimo. Que fez a Prefeitura nos últimos anos? Começou a montar bailes populares, fez um ali na Tijuca, outro, na Lagoa, outro, em Ipanema, mas não é a mesma coisa. Você concentra o povo ali, e carnaval de rua é: onde você andar e olhar tem um bloco. Um bloco aqui, outro ali. Esse é o carnaval de rua. Ao contrário, nos pontos de bailes populares, você fica centralizado: na Cinelândia, Ipanema, Ilha do Governador, assim é chato. Esse ano, no Carnaval, apareceram mais blocos; pode ser que isto seja a nova retomada para o próximo ano. Vários blocos aqui, dois bem grandes: o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos, cada bloco arrastava de 8 a 10 mil pessoas. Essas coisas foram se extinguindo, na minha cabeça, em conseqüência da situação socioeconômica e também pela ascensão das escolas de samba, que bateu muito forte. Hoje, a escola de samba é primeira e única em matéria de carnaval. A ascensão das escolas de samba ocasionou a queda dessas sociedades que tinham o carnaval concentrado e os ranchos. Ela tomou um cunho social muito grande, que virou status. Hoje, as vedetes, os doutores e as socialites estão lá, tirando, tranqüilamente, o lugar da comunidade.

CVT - Você falou de como a deterioração da situação socioeconômica influenciou na decadência do carnaval de rua no Rio de Janeiro. A violência não seria também um outro fator que estaria afastando as pessoas das ruas?

Nelson Sargento - A violência é mais um elemento contra não só do carnaval de rua, mas do carnaval em si...

CVT - As pessoas estão andando armadas, a droga penetrou de forma muito grande na sociedade...

Nelson Sargento - A droga existia, sempre existiu droga, mas com uma diferença: as pessoas que usavam não faziam apologia, tinham vergonha de mostrar para você que faziam isso, as pessoas respeitavam. Hoje, há a apologia das drogas; hoje, quem não gosta de droga é burro; eu sou burro. Eu vou fazer 77 anos e vou te dizer: a juventude está sem liderança, o Lindenbergh não foi aquilo que os estudantes da época dele esperavam, ele não foi, na Câmara, o porta-voz dos estudantes. Os estudantes estão precisando de um líder de cabeça feita. Esse líder ajudaria bastante.

CVT -Como você falou em liderança, isso me remeteu à questão que eu gostaria de saber de você: a auto-estima do brasileiro anda muito em baixa; sendo o samba um dos principais símbolos da identidade brasileira, ele não poderia contribuir um pouco para reerguer a cabeça do nosso povo?

Nelson Sargento - Pode, deveria, mas, apesar de eu ter algumas restrições, a escola de samba é uma fonte de denúncias sociais: nos 500 anos, o Joãozinho Trinta faz muita denúncia, a Rosa Magalhães faz denúncia... É a função do artista e da música fazer denúncia. Uma coisa que também pega muito para o povo estar sem auto-estima é que ele está desencantado; a palavra é essa. Os desmandos dos nossos governantes e os desmandos dos nossos parlamentares deixam o povo sem auto-estima. É o presidente, o parlamentar, essa sujeira toda... Aí o povo desanima com toda essa mazela...